
No dia que escrevo este texto, 29 de agosto de 2020, eu descobri durante a madrugada quando levantei para levar minhas cachorrinhas para fazer xixi que Chadwick Boseman, T’Challa de Pantera Negra havia falecido. E a sensação que tenho ao pensar sobre este acontecimento é muito estranha e talvez não exista um nome pra ela. É bizarro ver alguém que influenciou a vida de tantos e tantos por interpretar um papel num filme blockbuster ir embora.
Sim, um ator, de filme de grande bilheteria de heróis, armas, pew-pew-pew. Só que a diferença é que o herói que Chadwick interpretava não era um ajudante, coadjuvante, o cara que morreria no segundo flme da franquia ou o cara que aparece por 3 cenas no máximo e some. Ele era o protagonista. E, ainda mais, gente, ele era preto. Preto que nem eu. Parece bobo estimar tanta importância pra um filme de super-herói, né?
Mas tá aí a coisa, gente, quantas oportunidades nos foram dadas de estar na grande telona sem seguir esteriótipos? Sem ser a raivosa, sem ser a exótica, sem ser a figura estúpida. Sem ser a pessoa moldada pela branquitude do lugar que deveríamos representar?
Lembo que quando saiu o filme em 2018, o qual esperei ansiosamente pela estreia e fui assistir com tanta euforia e surpresa, houve uma postagem de um infeliz na internet que fizera uma comparação entre os comportamentos de Killmonger e T’Challa. No qual, este estúpido não acreditava que T’Challa era um negro de verdade por não ser como Killmonger era. Por ser o cara apaziguador, mais tranquilo, por ser um príncipe. Para a tal pessoa, ser “violento” e “assassino” era o que caracterizava o homem preto em filmes, não a postura mas calma que o personagem de Chadwick possuía.
(Não vou me prolongar aqui neste meu desabafo numa análise sobre os personagens e dizer o que acho de T’Challa e Killmonger. Mas digo brevemente que suas visões de mundo se complementam em algum nível. Killmonger, na minha análise, acaba influenciando T’Challa a fazer que Wakanda não se esconda mais e se mostre pro mundo, afim de quebrar a ideia de fragilidade e fraqueza que o mundo tem sobre eles. Não acho que Killmonger estava completamente errado mas isso fica pra outra história. Além disso, as personagens de Letitia Wright (Shuri), Lupita Nyongo (Nakia) e Danai Gurira (Okoye) eram tão fortes e determinadas que as vezes deixavam o príncipe em segundo plano mas… como falei, vou deixar essa conversa pra outro dia.)
No dia que li o tal comentário infeliz me enfureci e ficou evidente a obviedade da importância da representatividade, de espelhos que refletem a verdade e não o que esperam de nós. Chadwick, através deste personagem de quadrinhos estava refletindo uma possibilidade. O personagem principal do então filme novo da Marvel, protagonista de um afrofuturo rico e tecnológico, uma ficção que auxiliou no imaginário utópico de Wakanda como um lugar de refúgio para pretinhes neste mundo.
Chadwick era esse príncipe. Era dessa realeza. E a imagem dele vai ser pra sempre associada ao Pantera e todas as coisas que ele representa através deste filme. Fico deveras feliz por tê-lo apreciado na tela de cinema naquela semana de fevereiro de 2018. Feliz por ver um príncipe herói preto sendo representado por outro de igual realeza. Fico feliz por Chadwick agora fazer parte de nossos imaginários não somente como um herói de quadrinhos mas como alguém que através deste papel ajudou as pessoas a sonhar. E dou uma risada ao lembrar dele fazendo “Wakanda pra sempre” com o semblante um pouco cansado de ter de posar assim por repetidas vezes.
Sabe, hoje pela manhã enquanto orava pensei bastante em “propósito”. Fiz uma breve oração pedindo para que Deus confortasse a família, amigos e fãs de Chadwick justamente pelo o que ele como pessoa significava pra vários outros. Ter interpretado o Pantera certamente pode ter criado sobre a sua figura uma esperança pres pretinhes. E parte disso me faz me sentir menos triste sobre sua partida, entendem? Não vou vir com papo capacitista e de heroísmo sobre a vida dele agora, mas penso que foi uma decisão consciente de continuar trabalhando e fazendo parte de histórias em meio a esta condição.
Propósito. Imaginei que talvez este era o propósito de sua vida, seguir atuando, fazendo o que ele queria independente do que poderia o travar. E foi uma escolha, ele escolheu continuar trabalhando para cumprir essa vontade que estou chamando aqui neste texto de propósito. Que, na minha interpretação, era ser um artista. Um ator. E felizmente coisa tomou positivamente uma proporção grandiosa. Minha cabeça vai pra vários lugares ainda quando penso sobre e por isso resolvi escrever.
Pois bem, Chadwick. Wakanda pra sempre. Descanse em paz, descanse em power e obrigada por ter feito este papel. E os vários outros que fez antes deste e os subsequentes. Obrigada por ser ter sido um pretinho “das artes”. Só o fato de estar na telona representa muitas e muitas coisas pra gente. Representa um sentimento de “eu posso ser ator” e também um sentimento de “eu posso ser um herói.”

* título do post faz menção ao dia que fui ver Pantera Negra no cinema com meus pais.